Muito prazer!

Para os que ainda não me conhecem, muito prazer, meu nome é Letícia. Uma mulher que cansou de ser torturada pelas próprias idéias. Esse blog nasceu da minha esperança de que, a partir do momento em que eu passasse a compartilhar meus pensamentos, os mesmos deixariam de me acordar no meio da noite.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Página virada?

Que muitos dos traficantes que fugiram das favelas ocupadas por UPPs, na zona sul e na Tijuca, estavam refugiados no Complexo do Alemão, muita gente já sabia, principalmente quem mora naquela área. E que eles estavam aproveitando a ausência da polícia, que passou dois anos sem dar as caras por ali, para montar um arsenal de guerra, e se preparar para resistir a invasão da central da sua facção, também não era nenhum segredo.

Justamente por tudo isso ser conhecido, o fato desta ocupação ter tido o mesmo fim das outras - o território foi tomado, mas os traficantes evaporaram - foi surpreendente. Positivamente surpreendente, diga-se de passagem, por que evitou o banho de sangue.

Banho de sangue, aliás, que chegou a ser reivindicado por uma boa parcela do povo carioca, em muitos momentos. O desmando que tomou conta da cidade por décadas levou muita gente a acreditar que a unica forma de por fim a barbárie seria com mais barbárie. É assustador constatar que existe tanta gente disposta a pagar com a vida dos outros o preço pela sua paz

O Rio se tornou cenário da guerra do crime organizado e milionário contra o Estado desorganizado e falido, nós ouvimos muitas vezes. Mas quando resolver o problema passou a interessar aos nossos governantes - temos uma Copa do Mundo e uma Olimpíada para sediar - o dinheiro apareceu, o estado articulou suas forças, usou mais inteligência do que violência, e os soldados do todo poderoso crime organizado fugiram feito barata tonta expulsa do ninho por inseticida, mal viram alguns blindados. Até os policiais que invadiram o complexo, esperando travar uma guerra contra centenas de traficantes armados até os dentes e dispostos a lutar até morrer, devem ter ficado de queixo caído com o desfecho da operação.

Ficou claro que o diabo não era tão feio quanto se pintava e que, se vivemos no inferno por tanto tempo, foi por que quem tinha todas as cartas na mão para ganhar o jogo não tinha interesse em usá-las.

E também ficou claro que só se vence a barbárie com civilidade.

Mas os traficantes que fugiram do Alemão por túneis do Pac vão se entrincheirar em outro lugar. As ultimas notícias dão conta que muitos desembarcaram de vans lá em Caxias.  Outros que já devem ter começado a planejar a mudança de endereço são os da Rocinha e do Vidigal - onde as obras do Pac também vão de vento em popa e a polícia não aparece a muito tempo -  agora que o Secretário Beltrame já avisou que se pretende entrar lá.

E tem mais: o exército está patrulhando o Alemão, mas ninguém está tomando conta das nossas fronteiras - todo mundo sabe que não se planta cocaína nem se fabrica AR-15 no Brasil. Foram confiscados, apartamentos e veículos que estavam em nome de parentes de chefes do tráfico. Mas esses traficantes têm negócios legais, no Brasil e em outros países, em ramos como o de construção, o farmacêutico... As operações da polícia federal dificilmente atingem esse tipo de negócio.

A bandeira nacional foi fincada no alto do Morro do Alemão, o governador discursou dizendo que o Rio virou uma página de sua história, e a imprensa internacional repercutiu  a cena, digna de happy end de filme hollywoodiano. Pelo visto a comunidade internacional foi convencida de que o Rio fez o seu dever de casa. Mas esse filme ainda está longe do fim.

E, enquanto isso, ninguém fala em botar as milícias pra correr de lugar nenhum...











sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Eu só acredito em mim

Amanhã John Lennon completa 70 anos. Não digo que ele completaria 70 anos se estivesse vivo, por que ele faz parte de um seleto grupo de seres humanos que conseguiu ganhar da morte. Pelo menos até agora...
O que John Lennon ainda tem a nos dizer hoje? Eu acho que sua mensagem mais atual está na letra de God :

"Eu não acredito em mágica, eu não acredito em I-Ching, eu não acredito na Bíblia, eu não acredito em Tarot, eu não acredito em Hitler, eu não acredito em Jesus, eu não acredito em Kennedy, eu não acredito em Buda, eu não acredito em Mantra, eu não acredito em Gita, eu não acredito em Yoga, eu não acredito em reis, eu não acredito em Elvis, eu não acredito em Zimmerman, eu não acredito nos Beatles, eu só acredito  em mim..."

Religiões, ideologias, tecnologia, movimentos  políticos, sociais, culturais , messias, gurus, presidentes, revolucionários, astros do rock... nada nem ninguém vai nos trazer a grande solução, nos revelar todas as respostas, nos indicar o caminho. E para os que, na época em que john estava lançando seu primeiro disco solo depois do fim dos Beatles, ainda esperavam que ele salvasse o mundo, ele respondeu, na mesma letra:

"Eu era o fabricante de sonhos, mas agora eu renasci. Eu era a morsa, mas agora eu sou John. Então, queridos amigos, vocês precisam continuar. O sonho acabou."

O sonho acabou. Não há como saber se John se referia apenas ao fim dos Beatles, ou se já estava percebendo o fim do sonho da geração paz e amor. Mas a medida que este foi sendo dado por perdido, a frase emblemática de John foi ganhando cada vez mais peso.

"O sonho acabou" é a frase que muitos escolheriam para definir, não só aquele momento, mas tudo o que se viveu dali em diante. As utopias que incendiaram o século XX, e os românticos movimentos que mobilizaram multidões nos anos 60, deram lugar ao pragmatismo e a objetividade, e essa é a tônica que rege os nossos tempos.

Mas eu prefiro a frase "eu só acredito em mim". De uns tempos pra cá se tornou lugar comum dizer que estamos vivendo uma época marcada pelo individualismo, usando esse termo como sinônimo de egoísmo. Geralmente esse lugar comum vem acompanhado de uma nostalgia das grandes passeatas, dos grandes festivais, ou de qualquer tipo de mobilização coletiva característica dos anos 60. Mas quando John Lennon diz "eu só acredito em mim", ele joga um outro olhar sobre o fim do sonho.

Para fundar uma religião, fazer uma revolução, ou um festival de rock, é preciso ter muita gente seguindo uma mesma pessoa ou idéia, que todas essas pessoas acreditem estar acima de tudo e de todos. Com tanta gente acreditando tão cegamente na mesma coisa, é possível realizar tanto Woodstock quanto o Holocausto. Acho genial a cena do filme The Wall, em que um show de rock é retratado como um comício nazista. O poder das multidões pode ser manobrado para alcançar tanto os objetivos mais nobres quanto os mais podres.

Em contraponto ao poder das multidões temos o poder do indivíduo. O segundo pode ser tão construtivo ou devastador quanto o primeiro. A diferença é que quando um indivíduo escolhe acreditar em si próprio - e não em uma seita, um partido, ou um herói qualquer - é só ele quem decide para o que a sua força pessoal vai contribuir.

O egoísmo e a indiferença são atemporais, assim como a solidariedade e o desejo de transformar. E como a postura dos egoístas e dos indiferentes é sempre muito parecida em qualquer tempo, o que difere uma época da outra é a forma como agem aqueles que querem dar a sua contribuição. O que passou a se observar nesse sentido, depois que o sonho da geração que queria mudar o mundo acabou, foi uma forma de ação descrita naquele famoso conselho do Green Peace: "Pense globalmente, aja localmente". Para ajudar a salvar o planeta você não precisa mobilizar uma multidão. Você pode se organizar com os seus vizinhos para que o lixo das casas da sua rua tenha coleta seletiva. Essa forma de fazer a diferença não se observa só no que diz respeito ao meio ambiente. Hoje em dia existem ongs, grupos, pessoas, agindo de acordo com essa filosofia nas mais diversas áreas.

Dizer "eu só acredito em mim" pode ser uma forma de ser pragmático, objetivo, e até individualista, como nosso tempo exige, sem deixar de ser um sonhador.








sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Whatever works

"No fim, todos os sonhos da sua juventude se resumem a whatever works"

A frase é de Boris Yellnikoff, protagonista de "Whatever works", ultimo filme de Woody Allen. No Brasil, o titulo do filme foi traduzido como "Tudo pode dar certo", o que gerou alguma controvérsia.

Whatever quer dizer qualquer coisa, works quer dizer funciona, uma tradução literal para whatever works seria qualquer coisa funciona, ou qualquer coisa serve. Mas também se pode traduzir whatever works como qualquer coisa que funcione, qualquer coisa que sirva, ou até qualquer coisa que dê certo, qualquer coisa que possa dar certo. Já são duas possibilidades bem diferentes entre si, e ambas são ainda mais diferentes da opção tudo pode dar certo.

Acho interessante observar que as três possibilidades de tradução acabam expressando três visões diferentes da mesma questão. Substituindo a expressão whatever works por cada uma dessas opções na frase de Yellnikoff citada no início do texto, podemos concluir que, na visão do personagem, no fim, todos os sonhos da sua juventude se restringem a qualquer coisa serve. Ou que, no fim, todos os sonhos da sua juventude se restringem a qualquer coisa que possa dar certo. Ou então que, no fim, todos os sonhos da sua juventude se retringem a tudo pode dar certo.

São três formas completamente diferentes de lidar com o fato de que você não vai realizar os sonhos da sua juventude: aceitar qualquer coisa que aparecer, acreditando que, uma vez que você não vai realizar seus sonhos, tudo vai ser igualmente ruim; escolher, entre o que aparecer, aquilo que você achar que pode dar certo; aceitar qualquer coisa que aparecer, convicto de que tudo pode dar certo.

Esses três caminhos diferentes têm uma coisa em comum: todos começam naquele lugar em que você se dá conta que sua vida não vai ser como você sonhou.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Todos os sonhos do mundo

"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
Á parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."

Fico imaginando Fernando Pessoa, na janela do seu quarto, olhando a rua e a tabacaria em frente, sabendo ser nada, apesar de sonhar ser tudo. Fico pensando que a desgraça de Pessoa não era ser nada. Muitos são nada acreditando ser alguma coisa. A desgraça de Pessoa começa com o fato dele saber que não é nada. Mas essa não é a desgraça completa. Se ele soubesse não ser nada, e não sonhasse ser mais que isso, escaparia de horas de angústia olhando pela janela do quarto. O que determinava a desgraça de Pessoa era o fato dele ter em si todos os sonhos do mundo.
O mundo é dos que  nasceram para conquistá-lo, o poeta nos avisa, e não dos que sonham que podem fazê-lo.
Sonhadores como Pessoa teriam feito falta ao mundo se nunca tivessem nascido?
Evidentemente ser Fernando Pessoa é muito mais do que ser nada, mas só para quem conhece Fernando Pessoa. Quantos dos seis bilhões de homo sapiens que habitam o planeta Terra atualmente conhecem Fernando Pessoa? E os que não conhecem, será que sentem falta? Se nascer, viver, ter um ou outro momento de alegria, e morrer sem nunca ter lido um mísero verso de Pessoa é possível para maioria, talvez seja perfeitamente possível para todos.
É desesperador para nós, pobres mortais, desconfiar que Fernando Pessoa estava certo quando afirmou não ser nada.
Mas esse tipo de angústia existencial já está fora de moda. Gênios sensíveis e deprimidos, mergulhando em seus abismos particulares enquanto olham pela janela do quarto, já não comovem mais ninguém, e ainda dão no saco. É possível, é perfeitamente possível, que até o próprio Pessoa acabe morrendo, mais cedo ou mais tarde.
Eu já tive o sonho de ser poeta, ter as palavras para dizer o indizível, e escrever poemas que entrariam para a história da literatura.
Já tive o sonho de ser cineasta, e fazer filmes que marcariam época e falariam por toda a minha gerção.
Já tive o sonho de ser jornalista, arriscar a vida fazendo matérias investigativas perigosas, derrubar presidentes, enfrentar os poderosos, combater as injustiças.
Já tive o sonho de ser hippie, de mochila nas costas, viajando pelo mundo inteiro de carona, conhecendo os tipos humanos mais esquisitos e interessantes.
Já tive o sonho de ser, ao mesmo tempo, revolucionária e pacifista, e sair por aí parando guerras ao deitar na frente dos tanques, até transformar o mundo naquele mundo que o John Lennon descreve em "Imagine".
Eu já tive o sonho de ser John Lennon. E Woody Allen, e Chico Buarque, e Billie Holiday. E Fernando Pessoa.
E, talvez, Fernando Pessoa eu já tenha conseguido ser, claro que não na hora de escrever, mas na janela do meu quarto, sonhando. E aí está uma vantagem de já ter lido meia dúzia de poemas de Fernando Pessoa: quando você fica sonhando na sua janela, você não sonha sozinho.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A data do post de hoje costuma ser envolvida por tanto misticismo que eu até abri mão de um título. A sexta-feira treze é um dia maldito, o mês de agosto é o mês do azar, dizem os supersticiosos. Ou diziam. Porque eu desconfio que os supersticiosos já tenham entrado em extinção faz tempo.

Você é supersticioso? Conhece alguém que seja?

Gente que não passa embaixo de escada não conta. Isso não é superstição, é bom senso. Qualquer um que passe embaixo de uma escada pode dar o azar desta cair em sua cabeça.

Mas e de gato preto, quebrar espelho, sexta-feira treze, alguém ainda tem medo?

Ver o gato preto, dizer "Ai meu Deus, que medo!", e seguir a vida normalmente, não é superstição, é mania. Ver o gato preto quando se está indo para o trabalho, achar que isso é um mau sinal, voltar para casa, ligar para o chefe e inventar uma desculpa, para depois passar o resto do dia tremendo de medo na cama, isso sim, é ser supersticioso. Você já fez alguma coisa parecida? Conhece alguém que já tenha feito?

Pois é. Não há lugar para misticismos em tempos em que reinam a objetividade e o pragmatismo.

Por outro lado, sobram neuroses. Talvez nossos estresses, paranóias e compulsões contemporâneos sejam conseqüência da nossa carência de fabulação, pensamento mágico, enfim, fantasia.    

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O horror em números.

Hoje, seis de agosto de 2010, o lançamento da bomba atômica em Hiroshima pelo exército dos EUA completa 65 anos.
Se estima que 140 mil pessoas tenham morrido, até o fim do ano de 1945, em conseqüência do ataque, sendo que esse número pode chegar a 250 mil quando se contabilizam as mortes posteriores causadas pela exposição a radiação. Muitos dos sobreviventes do ataque sofrem de doenças causadas por essa exposição até hoje.
Três dias depois, outra bomba atômica seria lançada pelos EUA sobre Nagasaki.
Os que defendem esses bombardeios os descrevem como um tiro de misericórdia - as bombas atômicas teriam poupado vidas encerrando a guerra mais rapidamente. Os que condenam os bombardeios acreditam que a rendição do Japão já era fato quase consumado, e que viria em pouco tempo, mesmo sem o uso de armas nucleares.
A verdade é que números, debates políticos, análises de estratégias militares, nada disso nunca poderá dar conta da devastação provocada pelas explosões atômicas.Os relatos dos sobreviventes descrevem a transformação instantânea das duas cidades em verdadeiros infernos terrenos.
Enviado especial da revista The New Yorker ao Japão, o jornalista John Hersey reuniu alguns desses relatos em "Hiroshima", um dos livros mais importantes sobre o tema. Seguem dois trechos do livro:

Uns vinte homens e mulheres estavam no banco de areia. O Sr. Tanimoto aproximou-se e os convidou a embarcar. Eles não se mexeram: estavam fracos demais para se levantar. O pastor estendeu os braços e tentou puxar uma mulher pelas mãos; porém a pele se desprendeu como uma luva. Profundamente abalado, o Sr. Tanimoto teve de se sentar por um instante, ao fim do qual entrou na água e, embora fosse um homem miúdo, carregou vários feridos para a chalana. Todos estavam nus e tinham as costas e o peito pegajosos, frios e úmidos. O reverendo se lembrou das grandes queimaduras que tinha visto durante o dia: amarelas a princípio, depois vermelhas e intumescidas, com a pele solta, e, à noite, supuradas e fétidas. [...]

 ..] Quando retornava com a água, o jesuíta se perdeu, ao desviar de um tronco caído, e, enquanto procurava o caminho, ouviu uma voz, perguntando entre os arbustos: “O senhor tem alguma coisa para beber?”. O padre viu um uniforme. Julgando tratar-se de um soldado, aproximou-se, mas, ao penetrar na vegetação, deparou com uns vinte homens, todos no mesmo estado horripilante: o rosto inteiramente queimado, as órbitas vazias, as faces marcadas pelo líquido que escorrera das córneas derretidas. (Deviam estar olhando para cima quando a bomba explodiu; talvez pertencessem á defesa antiaérea). Sua boca se reduzira a uma chaga intumescida e coberta de pus, e eles não podiam juntar os lábios para receber o bico da chaleira. O padre [alemão] Kleinsorge utilizou uma haste de grama como canudinho e dessa maneira lhes aliviou a sede. “Não enxergo nada”, um deles falou. “Há um médico na entrada do parque”, o jesuíta informou, no tom mais animador que conseguiu imprimir à voz. “Ele está ocupado no momento, mas logo há de vir cuidar de seus olhos, espero”.


Diante de histórias como essas, que sentido podem fazer meia dúzia de números?