Muito prazer!

Para os que ainda não me conhecem, muito prazer, meu nome é Letícia. Uma mulher que cansou de ser torturada pelas próprias idéias. Esse blog nasceu da minha esperança de que, a partir do momento em que eu passasse a compartilhar meus pensamentos, os mesmos deixariam de me acordar no meio da noite.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Todos os sonhos do mundo

"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
Á parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."

Fico imaginando Fernando Pessoa, na janela do seu quarto, olhando a rua e a tabacaria em frente, sabendo ser nada, apesar de sonhar ser tudo. Fico pensando que a desgraça de Pessoa não era ser nada. Muitos são nada acreditando ser alguma coisa. A desgraça de Pessoa começa com o fato dele saber que não é nada. Mas essa não é a desgraça completa. Se ele soubesse não ser nada, e não sonhasse ser mais que isso, escaparia de horas de angústia olhando pela janela do quarto. O que determinava a desgraça de Pessoa era o fato dele ter em si todos os sonhos do mundo.
O mundo é dos que  nasceram para conquistá-lo, o poeta nos avisa, e não dos que sonham que podem fazê-lo.
Sonhadores como Pessoa teriam feito falta ao mundo se nunca tivessem nascido?
Evidentemente ser Fernando Pessoa é muito mais do que ser nada, mas só para quem conhece Fernando Pessoa. Quantos dos seis bilhões de homo sapiens que habitam o planeta Terra atualmente conhecem Fernando Pessoa? E os que não conhecem, será que sentem falta? Se nascer, viver, ter um ou outro momento de alegria, e morrer sem nunca ter lido um mísero verso de Pessoa é possível para maioria, talvez seja perfeitamente possível para todos.
É desesperador para nós, pobres mortais, desconfiar que Fernando Pessoa estava certo quando afirmou não ser nada.
Mas esse tipo de angústia existencial já está fora de moda. Gênios sensíveis e deprimidos, mergulhando em seus abismos particulares enquanto olham pela janela do quarto, já não comovem mais ninguém, e ainda dão no saco. É possível, é perfeitamente possível, que até o próprio Pessoa acabe morrendo, mais cedo ou mais tarde.
Eu já tive o sonho de ser poeta, ter as palavras para dizer o indizível, e escrever poemas que entrariam para a história da literatura.
Já tive o sonho de ser cineasta, e fazer filmes que marcariam época e falariam por toda a minha gerção.
Já tive o sonho de ser jornalista, arriscar a vida fazendo matérias investigativas perigosas, derrubar presidentes, enfrentar os poderosos, combater as injustiças.
Já tive o sonho de ser hippie, de mochila nas costas, viajando pelo mundo inteiro de carona, conhecendo os tipos humanos mais esquisitos e interessantes.
Já tive o sonho de ser, ao mesmo tempo, revolucionária e pacifista, e sair por aí parando guerras ao deitar na frente dos tanques, até transformar o mundo naquele mundo que o John Lennon descreve em "Imagine".
Eu já tive o sonho de ser John Lennon. E Woody Allen, e Chico Buarque, e Billie Holiday. E Fernando Pessoa.
E, talvez, Fernando Pessoa eu já tenha conseguido ser, claro que não na hora de escrever, mas na janela do meu quarto, sonhando. E aí está uma vantagem de já ter lido meia dúzia de poemas de Fernando Pessoa: quando você fica sonhando na sua janela, você não sonha sozinho.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A data do post de hoje costuma ser envolvida por tanto misticismo que eu até abri mão de um título. A sexta-feira treze é um dia maldito, o mês de agosto é o mês do azar, dizem os supersticiosos. Ou diziam. Porque eu desconfio que os supersticiosos já tenham entrado em extinção faz tempo.

Você é supersticioso? Conhece alguém que seja?

Gente que não passa embaixo de escada não conta. Isso não é superstição, é bom senso. Qualquer um que passe embaixo de uma escada pode dar o azar desta cair em sua cabeça.

Mas e de gato preto, quebrar espelho, sexta-feira treze, alguém ainda tem medo?

Ver o gato preto, dizer "Ai meu Deus, que medo!", e seguir a vida normalmente, não é superstição, é mania. Ver o gato preto quando se está indo para o trabalho, achar que isso é um mau sinal, voltar para casa, ligar para o chefe e inventar uma desculpa, para depois passar o resto do dia tremendo de medo na cama, isso sim, é ser supersticioso. Você já fez alguma coisa parecida? Conhece alguém que já tenha feito?

Pois é. Não há lugar para misticismos em tempos em que reinam a objetividade e o pragmatismo.

Por outro lado, sobram neuroses. Talvez nossos estresses, paranóias e compulsões contemporâneos sejam conseqüência da nossa carência de fabulação, pensamento mágico, enfim, fantasia.    

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O horror em números.

Hoje, seis de agosto de 2010, o lançamento da bomba atômica em Hiroshima pelo exército dos EUA completa 65 anos.
Se estima que 140 mil pessoas tenham morrido, até o fim do ano de 1945, em conseqüência do ataque, sendo que esse número pode chegar a 250 mil quando se contabilizam as mortes posteriores causadas pela exposição a radiação. Muitos dos sobreviventes do ataque sofrem de doenças causadas por essa exposição até hoje.
Três dias depois, outra bomba atômica seria lançada pelos EUA sobre Nagasaki.
Os que defendem esses bombardeios os descrevem como um tiro de misericórdia - as bombas atômicas teriam poupado vidas encerrando a guerra mais rapidamente. Os que condenam os bombardeios acreditam que a rendição do Japão já era fato quase consumado, e que viria em pouco tempo, mesmo sem o uso de armas nucleares.
A verdade é que números, debates políticos, análises de estratégias militares, nada disso nunca poderá dar conta da devastação provocada pelas explosões atômicas.Os relatos dos sobreviventes descrevem a transformação instantânea das duas cidades em verdadeiros infernos terrenos.
Enviado especial da revista The New Yorker ao Japão, o jornalista John Hersey reuniu alguns desses relatos em "Hiroshima", um dos livros mais importantes sobre o tema. Seguem dois trechos do livro:

Uns vinte homens e mulheres estavam no banco de areia. O Sr. Tanimoto aproximou-se e os convidou a embarcar. Eles não se mexeram: estavam fracos demais para se levantar. O pastor estendeu os braços e tentou puxar uma mulher pelas mãos; porém a pele se desprendeu como uma luva. Profundamente abalado, o Sr. Tanimoto teve de se sentar por um instante, ao fim do qual entrou na água e, embora fosse um homem miúdo, carregou vários feridos para a chalana. Todos estavam nus e tinham as costas e o peito pegajosos, frios e úmidos. O reverendo se lembrou das grandes queimaduras que tinha visto durante o dia: amarelas a princípio, depois vermelhas e intumescidas, com a pele solta, e, à noite, supuradas e fétidas. [...]

 ..] Quando retornava com a água, o jesuíta se perdeu, ao desviar de um tronco caído, e, enquanto procurava o caminho, ouviu uma voz, perguntando entre os arbustos: “O senhor tem alguma coisa para beber?”. O padre viu um uniforme. Julgando tratar-se de um soldado, aproximou-se, mas, ao penetrar na vegetação, deparou com uns vinte homens, todos no mesmo estado horripilante: o rosto inteiramente queimado, as órbitas vazias, as faces marcadas pelo líquido que escorrera das córneas derretidas. (Deviam estar olhando para cima quando a bomba explodiu; talvez pertencessem á defesa antiaérea). Sua boca se reduzira a uma chaga intumescida e coberta de pus, e eles não podiam juntar os lábios para receber o bico da chaleira. O padre [alemão] Kleinsorge utilizou uma haste de grama como canudinho e dessa maneira lhes aliviou a sede. “Não enxergo nada”, um deles falou. “Há um médico na entrada do parque”, o jesuíta informou, no tom mais animador que conseguiu imprimir à voz. “Ele está ocupado no momento, mas logo há de vir cuidar de seus olhos, espero”.


Diante de histórias como essas, que sentido podem fazer meia dúzia de números?